Li este artigo na Internet ( na verdade baixei ) e achei interessante compartilhar. Fala um pouco sobre o Nelson Rodrigues e sua ligação com a religião.
Começo com a Conclusão do trabalho, que expressa bem o que talvez estamos trabalhando:
Vivenciar Nelson é enxergar através de um espelho de carne. Nele estão contidas as
mazelas de nós mesmos e do mundo disfarçado em sociedade e família. A vida só pode ser
entendida a partir de seus desejos e vivenciá-los é um ato religioso. A vida que nos dá
prazer, nos mata para que possamos nos redimir dela mesma. O calvário é nossa vida e
nossa vida é o próprio ato religioso de desejo, pecado e redenção. Devemos vivenciar o
calvário da vida que leva para a morte buscando a redenção. Nelson concordaria com o
apóstolo Paulo ao dizer...miserável homem que eu sou!
Segundo o autor, para entendermos Nelson Rodrigues devemos prestar atenção na seguinte "equação" :
Formação religiosa <--> Drama familiar
Criatividade literária <--> Expressionismo catártico
Estes elementos têm forte apelo psicológico e necessitam ser examinados por este prisma.
Concorda com isso a Dra Maria Georgina Albuquerque (2001/p.01) quando diz que:
A Psicanálise tornou clara a idéia de que a repressão dos anseios mais
primitivos do homem surgiu decorrente das regras do jogo social. Em
Totem e Tabu (1912- 1913), Freud refere-se justamente a essa questão
do controle social dos impulsos, concluindo que o homem nunca
internaliza completamente a interdição. Daí consiste a necessidade de
o grupo social criar um sistema interno que garanta sua ordem interna,
decorrendo disso o conflito de duas grandes forças que são o desejo de
violação das normas instituídas e o recalque do desejo por uma
questão de imposição social. O estudo deveu-se ao interesse de Freud
pela Antropologia, assim como pela inter-relação entre a civilização e
a repressão dos instintos. Em Álbum de Família, emerge os recônditos
impulsos da natureza humana, dentre eles o incestuoso. Nélson
Rodrigues não se afasta de um cunho moralizador, ao contrário do que
possa aparentar uma visão superficial equivocada.
A psicanálise, de orientação freudiana, apresenta o princípio de vida (que tem sua base
primordial nos desejos sexuais) e a sua rejeição pela sociedade (consciente e inconsciente).
O homem, neste contexto, é sempre um ser em conflito com o seu meio social e suas
demandas. O conflito é a marca do teatro e da obra rodriguiana. Além disso, Sábato
Magaldi (1979/p.01) nos diz que esta era a atmosfera da obra de Nelson Rodrigues, na
medida em que o mesmo usa:
Os três planos do texto - realidade, memória e alucinação -
privilegiaram o subconsciente da heroína, novidade num teatro que
ainda se movimentava na psicologia tradicional. A Mulher Sem
Pecado (1941), que lançou o autor, já estava prestes a romper a
censura do consciente. Se Vestido de Noiva é a projeção exterior da
mente da protagonista, o monólogo Valsa nº 6 (1951) incorpora o
mundo exterior ao desempenho da heroína, que encarna em cena as personagens de seu convívio
A irracionalidade comanda os atos das personagens de Nelson, movidas pelo desejo
desenfreado e autodestrutivo.
Que vida é essa que leva para a morte? E por que mortes violentas e, em um sentido,
punitivas e autopunitivas? Podemos buscar uma resposta no drama cristão de sentido e
negação. Mas precisamente na fórmula cristã do sofrimento para a redenção:
desejo,
pecado, punição (Cf. uma leitura pietista de Tg. 1:13-15). Sábato (1992/p.30) vê claramente
isso quando comenta: “A falta de auto-estima não transparece apenas nos atos extremos do
suicídio. A cada momento, uma personagem necessita de punição”.
Francisco Carneiro da Cunha
(2000/p.15), citando Nelson Rodrigues, diz:
A ficção para ser purificadora tem de ser atroz. O personagem é vil
para que não o sejamos. Ele realiza a miséria inconfessa de cada um de
nós. E no teatro que é mais plástico, direto e de um impacto tão mais
puro esse fenômeno de transparência torna-se mais válido. Para salvar
a platéia é preciso encher o palco de assassinos, adúlteros e insanos,
em suma, de uma rajada de monstros. São os nossos monstros íntimos
dos quais eventualmente nos libertamos para em seguida recria-los em
cena novamente.
O drama de Nelson é o drama cristão. Nelson busca a redenção, pois vida é desejo (sexual)
e desejo é intolerável na sociedade (expressa na família cristã-burguesa). O outro é objeto
sempre proibido. Sábato (1992/p.67) comenta:
Tendo recebido a formação cristã de classe média urbana brasileira, o
dramaturgo preservou até o fim a crença na divindade e em preceitos
morais básicos. A dificuldade de observar esses preceitos aguça a
loucura. Na terra o homem vive o desregramento de uma unidade
Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP-USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.
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perdida, inconsolável órfão de Deus. há um deblaterar insano em
terreno hostil. Resta o sentimento permanente de logro. A vida prega
uma peça em todo mundo.
Esquematicamente, poderíamos assim representar:
Desejo Pecado < --> Punição <-->Redenção
Nas peças temos o adultério, o incesto, a traição, o homossexualismo, a perversidade, o
estupro, enfim, o desejo da libido que se projeta no outro o tornando objeto e não-pessoa,
mas escravizando aquele que deseja e assim desumanizando-o. Nesta relação doentia existe
a necessidade de redenção e esta vem pela punição (ou autopunição).
Élton de Oliveira Nunes
Queria colocar o texto na integra, mas acho que essas partes escolhidas já dão uma ideia do que se trata e do que deve ser tratado a obra de Nelson Rodrigues.
Diego Kiam